SP (16) 3797-3787 | MG (35) 3114-9797 / contato@tranquillieloro.adv.br
Tranquilli & Loro
  • Home
  • Institucional
    • Sócios e Equipe
    • Escritórios
    • Missão e Valores
  • Áreas de Atuação
    • Direito Administrativo
    • Cível
    • Direito Empresarial e Societário
    • Direito Imobiliário
    • Eleitoral
    • Penal
    • Previdenciário
    • Trabalhista
    • Tributário
    • Sustentações Orais
  • Holding Familiar
  • Artigos
  • Notícias
  • Contato
    • Localização Poços de Caldas
    • Localização Ribeirão Preto
Tranquilli & Loro
  • Home
  • Institucional
    • Sócios e Equipe
    • Escritórios
    • Missão e Valores
  • Áreas de Atuação
    • Direito Administrativo
    • Cível
    • Direito Empresarial e Societário
    • Direito Imobiliário
    • Eleitoral
    • Penal
    • Previdenciário
    • Trabalhista
    • Tributário
    • Sustentações Orais
  • Holding Familiar
  • Artigos
  • Notícias
  • Contato
    • Localização Poços de Caldas
    • Localização Ribeirão Preto
Home Artigos Constituição das famílias por pessoas portadoras de deficiência à luz do EPD. Vulnerabilidade ou invulnerabilidade?
Voltar Home

Constituição das famílias por pessoas portadoras de deficiência à luz do EPD. Vulnerabilidade ou invulnerabilidade?

porWiliam Loro de Oliveira emArtigos postado em23/03/2020
0
0

Wiliam Loro de Oliveira[1]

Laís Prado Gomes[2]

Resumo

O presente artigo chama a atenção às alterações produzidas pela Lei 13.146/15- Estatuto da Pessoa com Deficiência – quanto à Teoria das Incapacidades e seus reflexos na dinâmica social, através da opção pela primazia da autonomia e da mínima intervenção na esfera existencial da pessoa portadora de deficiência. Para dar lastro a esta nova postura, o ordenamento jurídico brasileiro ressignificou o processo de Curatela, deu nova redação à artigos do Código Civil que versam sobre a vida íntima do cidadão; além de criar o instituto da Tomada de Decisão Apoiada. A intenção precípua do Legislador ao criar o estatuto da pessoa com deficiência foi a promoção de sua inclusão social. Nesta esteira, busca-se analisar quais foram os princípios acolhidos e as consequências geradas no campo fático, em especial àquelas concernentes ao instituto do casamento.

1. Introdução

Já dizia Leonardo Boff: “Todo ponto de vista é a vista de um ponto”. Com esta colocação em mente, pergunta-se: qual ponto devemos mirar, atualmente, quando quisermos alcançar uma correta compreensão de uma norma jurídica? E a resposta soa óbvia: A Constituição Federal. Qualitativamente, não é um simples ponto, é ponto central.  A Constituição Federal irradia seus efeitos em todo o ordenamento. Dar efetividade aos princípios nela insculpidos tornou-se o norte de todo operador do direito.

A Constituição Brasileira, seguindo outras de Estados Democráticos de Direito, é estruturada em direitos e garantias fundamentais. Corolários dos Direitos Humanos, que são expressão da humanidade como um todo, ou seja, tem caráter supranacional, os Direitos (humanos) fundamentais, são aqueles positivados em cada constituição de cada Estado Democrático de Direito. Dentre estes direitos humanos fundamentais, está a dignidade da pessoa humana, de difícil conceituação, mas inerente a todo ser humano, não importando sua condição.

A questão que se busca resolver, sem, contudo, esgotar o assunto, é a existência ou não de uma vulnerabilidade em relação à pessoa com deficiência, quando, em prol de promover a dignidade dessas pessoas, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, sob influência de tratados internacionais (CDPD), altera a teoria geral das incapacidades, atribuindo capacidade à pessoa com deficiência para a prática de diversos atos, dentre eles o casamento. Busca-se a resposta através de uma pesquisa bibliográfica e analítica da legislação, para dedutivamente, chegar a uma conclusão a respeito, se houve de fato uma inclusão com diminuição de vulnerabilidade ou se a inclusão generalizada, pode ter causado um aumento da vulnerabilidade.

Esta evolução para um paradigma constitucionalista é o pano de fundo para uma correta interpretação das sensíveis alterações produzidas pela entrada em vigência do Estatuto da Pessoa com Deficiência, que por um lado é um avanço no tratamento da matéria, mas por outro pode gerar um insegurança para as próprias pessoas que deveriam ser protegidas dada a sua peculiaridade.

Para Nelson Rosenvald, o que a Lei n. 13.145/15 pretende é tornar a capacidade jurídica permeável aos princípios, por um modelo social de fundamento ético, com apelo aos direitos fundamentais. A Teoria das incapacidades e a curatela surgiram há muito tempo para cobrir situações que atualmente não mais se adequam ao discurso dos direitos humanos. Manter incólume essa regulação básica, com suaves adequações significa ignorar as obrigações internacionais impostas pelo CDPD. O Estatuto da pessoa com deficiência corretamente apostou em uma reforma mais profunda, alterando conteúdo e sentido das medidas que permeiam o modelo da capacidade jurídica. Essa é a chave para a conquista da autonomia.[3]

Ocorre que, se por um lado o respeito à autonomia da vontade da pessoa com deficiência pode proporcionar efeitos benefícios, de inclusão e respeito às diferenças; por outro, indaga-se a respeito daquelas circunstâncias nas quais, de fato, o escopo protetivo (e não paternalista) se faz necessário.

2. O Estatuto da pessoa com deficiência a teoria das incapacidades

O Estatuto da pessoa com deficiência (EPD) é norma infraconstitucional norteada pela Convenção Internacional sobre os direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD). O primeiro passo, portanto, para reformulação das questões atinentes aos Direitos das Pessoas com deficiência em nosso país, foi a ratificação desta convenção e a posterior submissão ao procedimento qualificado do §3º do art. 5º da Constituição Federal – promulgada pelo Decreto 6.949/09 e em vigor no plano interno desde 25/08/2009 – fato que lhe confere, inclusive, status de emenda constitucional.

A proposta da CDPD é a de apostar na autonomia da pessoa com deficiência, em igualdade de condições com os indivíduos que não apresentam nenhum tipo de deficiência, afirmando sua condição e capacidade para decidir assuntos importantes para as suas vidas sem a interferência, a priori, de terceiros no processo decisório. Se, a despeito de eventual limitação física, psíquica ou intelectual duradoura, preservar o discernimento necessário para a prática de um ato civil específico e for apto a exprimir sua vontade, não precisará ser representada ou assistida por terceiros para o exercício de seus direitos e deveres.[4]

O reconhecimento da autonomia do portador de deficiência física enquanto elemento essencial de sua vida digna, representou profunda alteração de paradigma que reverberou, através do CDPD e do Estatuto da Pessoa com deficiência, também no Código Civil e no Código de Processo Civil. Dentre as modificações ocorridas, a mais patente versa sobre a teoria das incapacidades. Logo, uma breve incursão em conceitos da doutrina pátria se faz necessária.

O conceito de capacidade jurídica está intimamente ligado ao da personalidade. Toda e qualquer pessoa Natural, desde que nasça com vida, possui personalidade jurídica, que se traduz na disposição de adquirir direitos e deveres na ordem civil, qualidade que independe do preenchimento de qualquer requisito psíquico ou intelectual.

Já a capacidade surge enquanto medida da personalidade para prática de determinados atos da vida civil.  Dessa forma, qualquer pessoa humana pode ser titular de direitos e obrigações, entretanto, nem toda pessoa praticará os atos da vida civil pessoalmente – apenas as que possuem plena capacidade. A capacidade de fato e a capacidade de direito são desdobramentos deste conceito jurídico.

A capacidade de Direito é aquela derivada da própria condição de pessoa humana e por isso, confunde-se facilmente com a concepção de personalidade. Consiste na aptidão genérica, de caráter absoluto, reconhecida a todas as pessoas humanas e estendidas aos agrupamentos morais, que podem ser titulares de direitos e obrigações.

Já a Capacidade de fato resume-se na aptidão de exercer pessoalmente os atos da vida civil, e por isso, possibilita variação e gradação, abrangendo desde os plenamente capazes aos relativa ou absolutamente incapazes. É exatamente à capacidade de fato ou seja, de exercer os atos da vida civil, sem a representação/assistência de ninguém, que se aplica o regime das incapacidades,

Os absolutamente incapazes são aqueles que não possuem qualquer capacidade de agir, sendo irrelevante, do ponto de vista jurídico, sua manifestação de vontade. Embora sejam eles os titulares das relações jurídicas, dependem de terceiros que os representem e pratiquem os atos da vida civil em seu nome. Atos praticados por estes, sem a devida representação, serão considerados nulos[5], não produzindo qualquer efeito jurídico (eficácia ex tunc).

Por sua vez, os relativamente incapazes podem praticar os atos da vida civil, sob condição de que haja assistência, salvo alguns casos para os quais podem agir sozinhos[6]. A Vontade do assistido não é substituída pela do assistente, mas deve ser manifestada conjuntamente. Os atos aqui praticados sem a devida assistência serão considerados anuláveis, produzindo efeitos até que lhe sobrevenha decisão judicial reconhecendo sua invalidade (eficácia ex nunc).

Com o intuito de denotar que a Deficiência física e incapacidade não são sinônimos, o art. 6º do EPD traz nova tônica à matéria, ao afirmar que:

“Art. 6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:

I – casar-se e constituir união estável;

II – exercer direitos sexuais e reprodutivos;

III – exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;

IV – conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;

V – exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e

VI – exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.”

Para dar coerência ao dispositivo, promoveu-se então a alteração da redação dos Arts. 3º e 4º do CC/2002, que dispunham, anteriormente à Lei, da seguinte forma:

“ Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

I – os menores de dezesseis anos;

II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;

III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.”

“Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;

IV – os pródigos.

Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.”

Logo, para respaldar as novas ideias introduzidas tanto pela CDPD quanto pelo EPD que visam a transformação do regime das incapacidades e do antigo modelo protetivo pautado na substituição de vontades, os artigos 3º e 4º do Código Civil passaram a ter a seguinte redação:

“Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.

Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:

I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II – os ébrios habituais e os viciados em tóxico;

III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;

IV – os pródigos.

Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.”

Houve, portanto, a exclusão da hipótese da impossibilidade de expressão da vontade por causa transitória ou permanente, do rol da dita incapacidade absoluta. Noutro giro, há sua inclusão, nas ditas incapacidades relativas.

O grande salto legislativo está justamente na nova acepção dada a incapacidade. A incapacidade da pessoa com deficiência mental ou intelectual, quando admissível, será sempre relativa, eis que limitada aos atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial[7], não atingindo, em regra, os atos existenciais. Não se cogita, no entanto, da incapacidade absoluta, eis que incompatível com a promoção da autonomia da pessoa com deficiência.

Criou-se, ademais, no campo doutrinário, uma diferenciação entre a esfera existencial e a esfera patrimonial. No que tange à esfera existencial buscou-se ampliar os direitos das pessoas com deficiência, com o intuito de promover sua dignidade, optando-se pelo respeito à sua liberdade e possibilidade de autodeterminação.

Verifica-se, nesta perspectiva, um abandono do critério puramente médico, para se estabelecer a incapacidade. Parte-se do pressuposto de que todos são capazes: “in dubio pro capacitas”.

Todavia, essa generalidade pode ocasionar um aumento da vulnerabilidade dessas pessoas, pois, no intuito de incluir, o EPD pode deixar brechas para que seus direitos sejam comprometidos, ou para que terceiras pessoas possam ficar vulneráveis com suas decisões.

Já no campo Processual, criou-se o instituto da Tomada de Decisão Apoiada, além de se remodelar a antiga Interdição. Optou-se pela exclusão do termo “interdição”, por considerá-lo inadequado. Agora a denominada simplesmente “curatela” passa a ser medida protetiva excepcional, proporcional às demandas da Pessoa com Deficiência e destinada somente aos direitos de natureza patrimonial ou negocial, não prejudicando direto ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto (art. 84, §3º e art. 85, caput e §1º do EPD).

É com propriedade que Nelson Rosenvald afirma que “ao se superar a esfera meramente defensiva da proteção do indivíduo, pela concessão de uma tutela promocional ao desenvolvimento da pessoa humana, a Lei Maior potencializa o princípio da autonomia e, consequentemente o direito fundamental à capacidade civil. Desde então, impõe-se um aumento da “carga argumentativa” para restringi-la”, seja via curatela, seja pelo novo instituto da Tomada de Decisão apoiada.[8]

O grande feito da lei é não mais presumir a incapacidade absoluta, em verdade, há uma completa inversão. Presume-se a capacidade do portador de deficiência afim de promover sua inclusão e proteger o pleno exercício de sua autonomia.

Logo surge a importante indagação: Como fica a situação da pessoa totalmente impossibilitada de exprimir sua vontade, entretanto considerada pelo códex relativamente incapaz? Poderia ser somente assistida por seu curador e não representada?

Existe então, na doutrina, um apontamento sobre a necessária dissociação dos institutos das técnicas de representação e da assistência dos institutos das incapacidades absoluta e relativa. Logo, a inclusão da pessoa com deficiência no rol dos relativamente incapazes, não implica, necessariamente, que este será apenas assistido. As situações fáticas são complexas e demandam uma análise criteriosa, caso a caso.

A extensão da curatela poderá, assim, assumir três formas diferentes: (i) o curador pode se apresentar como um representante para todo os atos jurídicos porque o curatelado não tem condições de praticá-los, sequer em conjunto – no caso de alguém em coma ou inteiramente desprovido de discernimento; (ii) o curador pode ser representante para certos atos e assistente para outros, em um regime misto, reconhecendo no curatelado a aptidão de praticar alguns atos conjuntamente com seu curador, mas não em outros, nos quais seria representado, por exemplo nos atos patrimoniais; (iii) O curador operará sempre como assistente, na hipótese e que o curatelado tem condições de praticar todo e qualquer ato, desde que devidamente assistido, para sua proteção. [9]

Esta curatela construída de acordo com o caso concreto, com respeito aos seus contornos próprios, traz imensa sensação de respeito à dignidade da pessoa com deficiência. É uníssono os benefícios trazidos por uma abordagem multidisciplinar, que atenta para as peculiaridades de cada ser humano.

Logo, para os casos nos quais não exista a possibilidade de exercício pleno da vontade do portador de deficiência, poderá o juiz, mediante o devido processo legal, optar entre a aplicação da técnica da representação ou assistência. A crítica que se faz nesse sentido é que nem sempre a decisão judicial representa a realidade do caso concreto, tendo em vista que julgamentos nem sempre retratam a realidade sistêmica de cada caso.

3. O EPD e a capacidade para o casamento.

A grande celeuma, e foco do presente artigo, se instaura no que tange ao alcance desta curatela. Isto porque, há uma grande resistência, por parte da doutrina, que se estenda este instituto para as questões de cunho existencial.

Alguns juristas prelecionam a ideia de que, com a entrada em vigência do EPD, os Direitos existenciais estariam na esfera da Capacidade de Direito: ou seja, qualquer pessoa, maior ou menor, dotada ou não de capacidade de fato, pode efetivar ou reclamar seus interesses existenciais pessoal e diretamente, sob pena de prejuízo de sua dignidade. Patrocinam desta tese os doutrinadores Joyceanne Bezerra de Menezes, Célia Barbosa Abreu, Nelson Rosenvald, Cristiano Chaves e Ana Carolina Brochado Teixeira.

Nesta esteira, ao se reconhecer à pessoa com deficiência a titularidade das situações existenciais e a importância de seu exercício para o desenvolvimento da personalidade, é necessário ponderar sobre se competiria ao curador poderes de representação e possibilidade de intervenção no âmbito de interesses existenciais nas hipóteses em que o sujeito for completamente faltoso de discernimento ou carente do indispensável entendimento para determinadas atividades extrapatromoniais.[10]

Importante nota, neste sentido, são as lições de Flávio Tartuce[11] que afirma “Na tutela das pessoas com deficiência, substituiu-se a premissa da dignidade-vulnerabilidade pela dignidade-igualdade”.

Ocorre que, conforme já dito, é de se louvar o intuito da Lei em questão, o EPD em consonância com a CPDP, promoveu de fato a dignidade da pessoa humana, especialmente aquela que sofre com alguma deficiência, seja física, mental, psicológica. Sem dúvida é um marco, pois a premissa é de dignidade-igualdade e de presunção de capacidade. Todavia, a generalização dessa capacidade das pessoas com deficiência, pode expressar uma maior vulnerabilidade, especialmente se for mantido o atual texto do CCB, no que tange às incapacidades.

No que diz respeito ao casamento, sempre se recorreu à teoria geral das incapacidades, uma vez que não há dispositivo expresso a respeito da capacidade para o casamento, que se resume no art. 1517 do CCB. Exatamente nesse ponto, e aqui nos referimos ao que foi retro mencionado sobre BOFF, a vista deve ser o texto constitucional e os tratados que o Brasil é signatário. A igualdade que se pretende com o EPD, acaba por ferir o próprio texto constitucional, se aplicada de forma genérica.

É sabido que o princípio da igualdade, que obviamente é corolário da dignidade da pessoa humana, para ser alcançado deve-se sempre buscar sua dimensão substancial, que como dizia Rui Barbosa[12], sob influência de filósofos gregos, “A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam.”

Ocorre que, se analisarmos o conceito de dignidade da pessoa humana de Jorge Miranda, que dentre os inúmeros é o que melhor se adequa ao tema deste artigo, a regra da igualdade substancial não foi alcançada pelo EPD. Miranda[13], sobre a Dignidade da Pessoa Humana, afirma que:

“A dignidade humana é da pessoa concreta, na sua vida real e quotidiana; não é de um ser ideal e abstracto. É o homem ou a mulher, tal como existe, que a ordem jurídica considera irredutível, insubsistente e irrepetível e cujos direitos fundamentais a Constituição enuncia e protege”

Exatamente pela proteção engendrada pela Constituição, seja da portuguesa que enuncia o autor citado, seja da brasileira, não há como igualar os desiguais sem que suas desigualdades sejam protegidas. Assim, a generalização disposta no art. 6º do EPD e a alteração do art. 3º do CCB, acabam por deixar as pessoas com alguma deficiência, especialmente a mental, mais vulneráveis, fazendo com que a premissa trazida por Tarcuce, neste caso, não se revele.

A capacidade do casamento é definida pelo art. 1.517 e pela parte geral do CCB, nos arts. 3º e 4º. Assim podem se casar os maiores de 16 anos, necessitando de autorização dos pais até completarem a maioridade, podendo essa autorização ser suprida judicialmente, caso seja injustificada. O EPD, também revogou a possibilidade de declarar o casamento nulo, caso realizado sem capacidade do nubente, pois suprimiu do texto do CCB o parágrafo primeiro do art. 1.548.

Ocorre que, o que antes constava no art. 3º do CCB como sendo absolutamente incapaz, passou para o art. 4º, ou seja, relativamente incapaz. Referimo-nos às pessoas que por causa permanente ou transitória não puderem exprimir sua vontade. Nesse caso, pela atual redação, para praticarem atos civis válidos dependem de assistência. Todavia, se conjugarmos com o art. 6º e 85 do EPD, são capazes, inclusive para o casamento, o mesmo se aplicando para união estável, todavia, não sendo objeto deste estudo, uma vez que não há nenhum ato formal para a sua constituição, apesar de necessitar de uma vontade, manifestada inequívoca para sua constituição.

O Art. 6º do EPD ao enunciar que a deficiência não afeta a plena capacidade para se casar ou constituir a união estável (inciso I), acaba ferindo o princípio da igualdade. Como dito, é louvável o intuito da lei, especialmente por promover a inclusão dessas pessoas. Contudo, a igualdade generalizada, sem critérios, pode aumentar a vulnerabilidade destas, que per si já existe.

A pessoa que não tem condição de expressar sua vontade, seja por causa transitória ou permanente, é incapaz, e assim deve ser tratada. Não pode ser assistida, deve ser representada. Ainda, com a ressignificação da curatela, por vezes essa pessoa pode nem ter alguém que a represente ou assista. É de se pensar, como uma pessoa com mal de Alzheimer, que tem uma deficiência permanente, pode expressar sua vontade inequívoca para contrair casamento ou ainda uma união estável, noutro dia pode não reconhecer a pessoa com quem se casou.

Outro exemplo também intrigante, a pessoa em coma, que pode ser uma deficiência transitória, não pode ser considerada relativamente incapaz, pois não tem capacidade nenhuma de exprimir sua vontade, não pode ser assistida, deve ser representada. Assim, mais uma vez, o EPD é de grande valia, todavia, necessário se faz alguns ajustes.

A ideia de ter uma flexibilização entre representação e assistência a depender do grau de incapacidade, a ser definida pelo juiz pode funcionar em alguns casos, mas não em todos, mas sem dúvida pode ser uma maneira de ajustar o equívoco da generalização. Todavia, existiria o problema da falta de segurança jurídica, pois a análise do caso concreto ficaria a cargo do judiciário, o que poderia não ter um resultado igual para situações equânimes. Por outro lado, o caso específico do inciso III do art. 4º do CCB, por não conseguirem exprimir sua vontade, não deveriam ser considerados relativamente incapazes e sim absolutamente, retornando o dispositivo ao art. 3º, para corrigir este patente equívoco, zelando por estas pessoas e não aumentando sua vulnerabilidade contrária ao ideal da CDPD.

4. a (in) vulnerabilidade na constituição da família por pessoas portadoras de deficiência.

A discussão que se propõe neste artigo, já é fruto do projeto de lei do Senado (PLS 757/2015[14]), pois conforme mencionamos há patente equívoco em tornar capazes pessoas que não tem condições mínimas de exprimir sua vontade inequivocamente. O que se propõe, seguindo a mesma linha do projeto de lei, e de parte da doutrina, longe de retomar qualquer forma de preconceito em relação às pessoas com deficiência, muitas destas a depender do seu grau são realmente capazes para prática de atos da vida civil, é proteger aquelas que não tem nenhuma capacidade para essa prática e que foram, equivocadamente, transformadas em pessoas (plenamente) capazes, por ficção legal.

A capacidade para o casamento se inclui nessa preocupação, pois especialmente a pessoa que não tem condição de exprimir sua vontade é incapaz e assim deve ser considerada para que seja protegida e, segundo o escopo constitucional, sua dignidade promovida. Ao contrário, a norma insculpida pelo EPD, generalizando a capacidade das pessoas com deficiência, acaba por tornar vítima a pessoa que deveria ser protegida.

A respeito José Fernando Simão[15] afirma que “descompasso entre a realidade e a lei será catastrófico (…), “com a vigência do Estatuto, tais pessoas ficam abandonadas à própria sorte, pois não poderão ser representadas, pois são capazes por ficção legal.”

Essa pessoas precisam ter, de forma expressa, sem deixar ao alvedrio do poder judiciário, apoio na tomada de suas decisões, especialmente aquelas que não tem condição de exprimir sua vontade, seja por causa transitória ou permanente, e devem ser consideradas absolutamente incapazes, sem que isso represente qualquer preconceito ou desobediência à CDPD, ao contrário, a previsão está em consonância ao que a Convenção determina[16].

Concordamos com a ideia de Tartuce[17], que a respeito afirma: “é preciso retomar uma antiga previsão constante originalmente no art. 3.º do Código Civil de 2002, no sentido de ser reconhecida como absolutamente incapaz a pessoa que não tenha qualquer condição de exprimir vontade”.

A redação dos dispositivos deve, portanto, voltar o que era no passado também no que diz respeito a nulidade do casamento de pessoas que não possam exprimir sua vontade, pois devem ser considerado nulo e não inexistente, uma vez que como é sabido, o CCB resolve as questões de invalidade do ato jurídico pela nulidade ou anulabilidade e não pela inexistência[18].

O mesmo autor, continua: “Urge, portanto, que o dispositivo revogado em matéria de nulidade de casamento volte parcialmente ao sistema jurídico, sem que exista qualquer relação com a pessoa com deficiência, assim como deve ocorrer com a reintrodução da regra do art. 3.º, inc. III, no CC/2002”[19].

5. Considerações finais

O que se pretendeu com o presente estudo foi ressaltar a importância do EPD em consonância ao que determina a CDPD. De fato, a legislação foi um avanço, sendo um estatuto que promove a dignidade da pessoa humana, e por isso merece nosso reconhecimento. Todavia, no afã de substituir a premissa dignidade-vulnerabilidade por dignidade-igualdade, nos mais de 120 artigos, o legislador do EPD cometeu alguns equívocos. Generalizar a plena capacidade de todas as pessoas que possuem deficiência, é deixar, em alguns casos – aquelas que não podem exprimir a sua vontade v.g. – é deixa-las jogadas a própria sorte, pois são fictamente consideradas capazes e podem, por exemplo convolar núpcias, quando na verdade não poderiam nem praticar o ato, pois deveriam ser consideradas absolutamente incapazes.

Assim, mesmo que louvável o intuito do sistema normativo inclusivo, o EPD, cometeu equívocos que devem ser corrigidos, o que já vem sendo discutido no âmbito legislativo pelo PLS 757/2015. Até a sua aprovação, se é que algum dia será aprovado, ficamos com este problema da generalização da capacidade das pessoas com deficiência que conferem à estes a possibilidade de casamento ou de constituição de união estável, mesmo sendo absolutamente incapazes, gerando uma vulnerabilidade na constituição e manutenção da família. Esperemos que o judiciário, ao ser chamado à resolução de casos dessa natureza, realmente exerça seu papel, analisando o caso concreto e não emitindo decisões standards para todos os casos, como as vezes assistimos, mesmo com a vigência do NCPC mas isso é assunto para outra discussão.

Referências bibliográficas

A Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência comentada / Coordenação de Ana Paula Crosara de Resende e Flavia Maria de Paiva Vital. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2008.

BARBOSA, Ruy. Oração aos moços. Adriano da Gama Kury. 5ª edição. Rio de Janeiro: Casa de Ruy Barbosa, 1999.

BRASIL. Estatuto da pessoa com deficiência. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm>. Acesso em 19 jul. 2019.

BRASIL. Código civil brasileiro. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 19 jul. 2019.

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira; NUNES, Marina Lacerda; Cuidado e a esfera existencial inclusiva da pessoa com deficiência; Cuidado e o direito de ser: respeito e compromisso / coordenação Tânia da Silva pereira, Guilherme de Oliveira, Antônio Carlos Mathias Coltro – 1ª ed- Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2018.

MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui. Constituição Portuguesa anotada. Coimbra: Coimbra, t. I, p. 53

ROSENVALD, Nelson; capítulo 17: Curatela; Tratado de Direito das Famílias; Rodrigo da Cunha Pereira (organizador); Belo Horizonte: IBDFAM, 2015

SIMÃO, José Fernando. Estatuto da Pessoa com Deficiência causa perplexidade (Parte I) disponível em <https://www.conjur.com.br/2015-ago-06/jose-simao-estatuto-pessoa-deficiencia-causa-perplexidade>. Acesso em 19. Jul. 2019.

TARTUCE. Flávio. Direito civil: direito de família – v. 5, 14ª. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019.

TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 8. ed. rev, atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018

VELOSO, Zeno. Estatuto da Pessoa com Deficiência. Uma nota crítica. Disponível em: <http://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/338456458/estatuto-da-pessoa-com-deficiencia-uma-nota-critica>. Acesso em: 19 jun. 2019.


[1] Doutorando em ciências jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa. Mestre em processo civil pela Unimep de Piracicaba. Professor da graduação e pós-graduação da PUC- Minas campus Poços de Caldas e Arcos. Professor de direito civil do curso intensivo da magistratura da EMAP. Coordenador e Professor dos cursos de pós-graduação lato sensu em Direito civil e processo civil com ênfase em família e sucessões da PUC-Minas em Poços de Caldas. Membro da ABDPro. Advogado em Poços de Caldas, MG, na Rua Pe. Henry Mothon, 45, centro. Cel. 35-98842-4878, wloliveira@pucpcaldas.br.

[2] Pós-graduanda em direito civil e processo civil com ênfase em famílias e sucessões pela PUC-Minas em Poços de Caldas. Graduada pela mesma universidade. Mediadora de família e advogada colaborativa. Advogada em Poços de Caldas. laisprado@hotmail.com

[3] ROSENVALD, Nelson; capítulo 17: Curatela; Tratado de Direito das Famílias; Rodrigo da Cunha Pereira (organizador); Belo Horizonte: IBDFAM, 2015.

[4] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira; NUNES, Marina Lacerda; Cuidado e a esfera existencial inclusiva da pessoa com deficiência; Cuidado e o direito de ser: respeito e compromisso / coordenação Tânia da Silva pereira, Guilherme de Oliveira, Antonio Carlos Mathias Coltro – 1 ed- Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2018.

[5] Código Civil Brasileiro. Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz;

[6] CCB. Art. 1.860. Além dos incapazes, não podem testar os que, no ato de fazê-lo, não tiverem pleno discernimento. Parágrafo único. Podem testar os maiores de dezesseis anos

[7] EPD. Art. 85. A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial.

[8] ROSENVALD, Nelson. Op. Cit. p.797

[9] ROSENVALD, Nelson. FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de Direito Civil: parte Geral e LINDB. Salvador:Juspodivm, 2016, p. 348

[10] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira; NUNES, Marina Lacerda. Op. Cit., p. 225.

[11] TARTUCE. Flávio. Direito civil: direito de família – v. 5, 14ª. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019.

[12] BARBOSA, Ruy. Oração aos moços. Adriano da Gama Kury. 5ª edição. Rio de Janeiro: Casa de Ruy Barbosa, 1999.

[13] MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui. Constituição Portuguesa anotada. Coimbra: Coimbra, t. I, p. 53

[14] O Estatuto da Pessoa com Deficiência foi, sem dúvida, um dos maiores avanços legislativos brasileiros em matéria de proteção, valorização e inclusão das pessoas com deficiência, mas, provavelmente em razão da vasta dimensão dos seus 127 artigos, acabou por veicular lapsos e inconsistências legislativas que deixarão juridicamente desprotegidas pessoas desprovidas do mínimo de lucidez ou de capacidade comunicativa. Não nos referimos apenas às pessoas com discernimento intelectual reduzido, mas especialmente àquelas em profundo grau de obnubilação. (PLS 757/2015)

[15] SIMÃO, José Fernando. Estatuto da Pessoa com Deficiência causa perplexidade (Parte I) disponível em https://www.conjur.com.br/2015-ago-06/jose-simao-estatuto-pessoa-deficiencia-causa-perplexidade. Acesso em 19. Jul. 2019.

[16] Art.12.3. Os Estados Partes deverão tomar medidas apropriadas para prover o acesso de pessoas com deficiência ao apoio que necessitarem no exercício de sua capacidade legal. In A Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência comentada / Coordenação de Ana Paula Crosara de Resende e Flavia Maria de Paiva Vital. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2008.

[17] TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 8. ed. rev, atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018.

[18] Já desenvolvi o tema em meu livro Invalidade do Negócio Jurídico – nulidade e anulabilidade (2ª ed., 2005, Del Rey, Belo Horizonte, n. 23, p. 133), e disse, ali, que negócio inexistente é aquele em que falta elemento material, um requisito orgânico para a sua própria constituição. Há déficit de elemento fundamental para a formação do negócio. Não se trata de ele ter nascido com má formação; trata-se de ele não se ter formado. Na inexistência – apesar da aparência material – o que falta é um elemento vital, o próprio requisito essencial (objeto, forma, consentimento) para a configuração do negócio. VELOSO, Zeno. Estatuto da Pessoa com Deficiência. Uma nota crítica. Disponível em: <http://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/338456458/estatuto-da-pessoa-com-deficiencia-uma-nota-critica>. Acesso em: 19 jun. 2019.

[19] TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 8. ed. rev, atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018

deficiênciafamíliavulnerabilidade

Próxima

A boa-fé nos negócios jurídicos processuais

Postagens Relacionadas

Planejar não é sonegar: a ilegalidade dos lançamentos de ITCMD baseados em presunções subjetivas
01/08/2025
Planejar não é sonegar: a ilegalidade dos lançamentos de ITCMD baseados em presunções subjetivas
Sem Comentários
23/03/2020
A boa-fé nos negócios jurídicos processuais
Sem Comentários

Deixe um Comentário Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Posts recentes

  • Planejar não é sonegar: a ilegalidade dos lançamentos de ITCMD baseados em presunções subjetivas
  • LGPD: ANDP aprova processo simplificado para empresas de pequeno porte se adequarem à legislação
  • Juiz mantém suspensa comercialização de dados pessoais pelo Serasa.
  • Diretivas Antecipadas de Vontade – DAVS –
  • Alesp discute aumento da alíquota do ITCMD

Comentários

    Categorias

    • Artigos (3)
    • Notícias (15)
    Tranquilli & Loro © 2020-2025. Todos os Direitos Reservados. Desenvolvido por: Oi! Oficina da Imagem