Por Wiliam Loro – Advogado, professor da Puc Minas Campus Poços de Caldas e especialista em planejamento patrimonial com holdings familiares. Membro Super Diamante do Time Holding Brasil, sócio da Tranquilli& Loro Advogados
1. Introdução
As recentes atuações da Secretaria da Fazenda de São Paulo (Operação Loki) e da Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul têm acendido um sinal de alerta na comunidade jurídica. Ambas vêm utilizando o lançamento de ofício do ITCMD com base na presunção de que cessões onerosas de quotas, realizadas por valores considerados “módicos”, seriam na verdade doações disfarçadas.
Essa conduta, porém, além de precipitada, é juridicamente inconstitucional, por desrespeitar o princípio da legalidade tributária, o devido processo legal e o próprio conceito de tributo consentido, pilares do nosso sistema jurídico.
2. O lançamento de ofício e seus limites
O lançamento de ofício está previsto no art. 149 do Código Tributário Nacional (CTN), sendo admitido, entre outras hipóteses, quando houver comprovação de simulação, fraude ou dolo por parte do contribuinte¹. Ocorre que, nas fiscalizações mencionadas, não há prova — há apenas uma presunção subjetiva baseada na diferença entre o valor da cessão e o valor patrimonial da empresa.
Em casos assim, a própria norma tributária prevê o caminho adequado: o art. 116, parágrafo único do CTN, determina que a autoridade administrativa só pode desconsiderar o negócio jurídico que dissimula fato gerador por meio de procedimento específico a ser previsto em lei ordinária².
Essa lei nunca foi editada. Tentativas como a MP 66/2002 e a MP 685/2015 foram rejeitadas pelo Congresso Nacional³. Portanto, não se trata de lacuna legislativa, mas de recusa democrática ao uso desse instrumento pelo Fisco.
3. Elisão fiscal é lícita e desejável
Confundir elisão com evasão fiscal tem sido um erro recorrente nessas operações. É preciso esclarecer:
- Evasão fiscal é a conduta ilícita que busca sonegar tributos mediante fraude ou omissão de fatos relevantes.
- Elisão fiscal é o planejamento lícito, baseado na legislação vigente, que visa evitar a ocorrência do fato gerador ou reduzir legalmente a carga tributária⁴.
O Supremo Tribunal Federal já reconheceu, na ADI 2446, a legitimidade da elisão e afirmou que o planejamento tributário é direito do contribuinte⁵.
4. Princípio da legalidade e o tributo consentido
O art. 150, I da Constituição Federal proíbe expressamente a exigência ou majoração de tributo sem lei que o estabeleça. O tributo é, assim, uma manifestação do consentimento popular através da legislação — o chamado tributo consentido⁶.
O art. 3º do CTN reforça que o tributo só pode ser exigido mediante atividade administrativa plenamente vinculada, ou seja, seguindo estritamente os comandos legais e não interpretações subjetivas dos agentes fiscais⁷.
5. Jurisprudência e doutrina alinhadas à legalidade
A jurisprudência do TJSP e de outros tribunais estaduais tem afirmado que o simples fato de a cessão de quotas ocorrer por valor abaixo do patrimônio líquido não é suficiente para configurar doação⁸.
Além disso, doutrinadores como Roque Carrazza, Flávio Tartuce e Hugo de Brito Machado sustentam que a simulação exige prova clara e objetiva, e que o lançamento tributário não pode se basear em ilações⁹.
6. Conclusão
Cobrar ITCMD com base em presunções é um desvio de finalidade do lançamento de ofício e um grave atentado ao Estado de Direito. O contribuinte que atua com transparência, estrutura jurídica válida e pagamento pactuado, não pode ser tratado como fraudador.
Planejar não é sonegar.
Presumir fraude sem prova é que é ilegal.
CARRAZZA, Roque A.; TARTUCE, Flávio; MACHADO, Hugo de Brito.
CTN, art. 149, VII.
CTN, art. 116, parágrafo único.
Medidas Provisórias 66/2002 e 685/2015.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário.
STF, ADI 2446, rel. Min. Cármen Lúcia.
CF/88, art. 150, I.
CTN, art. 3º.
TJSP, Ap. Cív. 1001299-20.2023.8.26.0024.