O que é o ser humano? Uma questão que nunca nos preocupamos por já nos identificarmos como humanos, ainda, no sentido das ações humanas não possuímos um esclarecimento, dependemos do diálogo, do convívio com o outro e principalmente nossas atitudes e cuidados ante os familiares, por serem os alicerces que nos auxiliam durante toda a vida.
Os direitos humanos incluem o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o direito ao trabalho e à educação. Deve-se incluir nesse rol o direito a morte digna, como decorrência do princípio máximo Dignidade da Pessoa Humana. Todos merecem estes direitos, sem discriminação.
O ordenamento jurídico analisa as situações de morte apenas no sentido do direito da sucessão e o direito à vida, quando há o falecimento de uma pessoa, extinguindo a sua personalidade abrindo a sucessão e seus bens, seus direitos e obrigações são entregues para seus herdeiros. No entanto, pacientes terminais cujo tratamento é inócuo ou apenas no intuito de prolongar a vida sem prognóstico de cura, não possuem a opção de escolher não fazê-lo.
Primeiro, ante aos familiares que muitas vezes anseiam por uma cura milagrosa e por mais tempo com seu ente querido sem levar em consideração a vontade do paciente, ou pela lei brasileira, que apenas prevê um único caso relacionado ao Código de Ética de Médica (Resolução do CFM 1995/2012).
Aplica-se ao tema, os Princípios Constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana (Art. 1º, III, da CF/88), a proibição de tratamento desumano (Art. 5º, III, CF/88) e por fim o princípio da autonomia de vontade, implícito, mas de aplicação imediata nos casos de Diretivas Antecipadas de Vontade. Tais princípios garantem os direitos fundamentais, aos quais amplamente deriva-se a vontade jurídica do homem.
Na legislação médica, como dito o CFM (Res.1995/2012), dispõe sobre as diretivas de vontade dos pacientes, em estado terminal, os quais nenhum tratamento poderia minimizar seu sofrimento, tornando-se fúteis.
No Brasil, o auxílio ao suicídio é crime nos termos do art.122 do Código Penal, com recente alteração de seu texto, incluindo a automutilação no tipo penal. A redação atual é a seguinte: Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça: Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.
Na Alemanha em recente decisão do Tribunal Constitucional julgou contrário à constituição do parágrafo 217 do Código Penal Alemão, que proibia a possibilidade de suicídio assistido. “O Parágrafo 217 não é compatível com a Lei Fundamental [Constituição]”, proferiu o presidente da segunda turma do Tribunal Constitucional Federal no dia 26/02/2020. Como a dita cláusula não tem mais validade legal, a morte assistida passa a ser possível, como era antes de 2015, ou seja, dentro dos antigos limites. Os médicos podem, portanto, fornecer informações sobre suicídio assistido e proporcionar eutanásia passiva, ou seja, disponibilizar um medicamento mortal.
O Brasil não possui, em termos infraconstitucional, legislação específica sobre o tema. Na relação médico-paciente há uma segurança administrativa, visto que a resolução do CFM (1.995/2012) dispõe sobre diretivas antecipadas de vontade dos pacientes, todavia, não há segurança civil ou criminal. Diretivas antecipadas de vontade no Brasil, não devem ser confundidas com eutanásia, ortotanásia, distanásia, suicídio assistido, mistanásia, mandato duradouro e testamento vital. No entanto, não excluem esses conceitos, pois podem ser objeto da DAVS, como atinente ao direito à morte digna.
As Diretivas Antecipadas de Vontade são negócio jurídico, uma declaração de vontade que o declarante pretende a produção de efeitos, especialmente quando estiver em estado terminal.
Deve-se, contudo, controlar o conteúdo das DAVS, pois se a vontade do paciente for a eutanásia direta e ativa, o negócio jurídico não será válido, pois não permitido pelo ordenamento brasileiro. Entretanto, se o paciente explicitar sua vontade pela obstinação terapêutica (distanásia) ou manifestar-se desejando a ortotanásia, o levará a validade do negócio jurídico diretivas antecipadas de vontade, pois haverá licitude do que se expressou, tendo em vista que a prática da ortotanásia, na legislação médica, é permitida conforme as Resoluções do CFM (1.805/2006 e 1.995/2012).
Poucos pacientes brasileiros utilizam desta resolução para realizar as suas próprias diretivas de vontade, muitas vezes, o motivo se baseia no desejo dos familiares, os quais geralmente acabam por não respeitar a vontade do paciente, mesmo se estiver documentada. Os conflitos podem surgir desde o paciente, que não pode seguir com sua vontade e do próprio médico, que precisa lidar com conflitos próprios e destes familiares.
A melhor forma de se elaborar tais diretivas, inicialmente, é discutir muito o assunto com o médico e com os familiares para elaborar documentação com um profissional apto para tanto, constando o motivo da recusa do tratamento e o porquê este tratamento não mais cabe ao paciente, pois causaria maiores danos e prolongaria seu sofrimento. O auxílio do médico é recomendável, mas, caso não haja, não impede a elaboração somente por parte do paciente, porém será melhor entendido se os conceitos médicos estiverem presente.
O Documento deve ser confeccionado por tabelião, em Cartório de Notas aumentando a segurança jurídica do negócio, após, deverá ser registrado junto ao CENSEC – Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados. O paciente ainda pode gravar em áudio sua vontade e/ou lançá-la por escrito na presença de testemunhas.
O Código de Normas dos Serviços Notariais e de Registro do Estado de Minas Gerais, no art. 259, permite o registro das Diretivas Antecipadas de Vontade, “Poderá ser lavrada por instrumento público a declaração antecipada de vontade de pessoa capaz, também denominada diretrizes antecipadas, que se consubstancia em um conjunto de instruções e vontades a respeito do corpo, da personalidade e da administração familiar e patrimonial para a eventualidade de moléstia grave ou acidente que venha a impedir a pessoa de expressar sua vontade” .
As diretivas de vontade devem ser aplicadas somente a pacientes terminais. Pacientes que estejam em estado vegetativo persistente ou coma, não são terminais pois possuem funcionalidade cardiovascular, respiratórias, renais e termorreguladoras. O paciente terminal possui a condição de irreversibilidade e apresenta alta probabilidade de morrer em curto prazo.
Visando o planejamento sucessório o paciente ainda que terminal, mas lúcido, pode optar em organizar a sucessão ainda em vida através de negócios jurídicos como, a própria diretriz antecipada de vontade, doação, testamento ou até mesmo a constituição de holding familiar patrimonial.
Conclui-se, portanto, que pelo princípio da dignidade da pessoa humana, e a autonomia de vontade, o paciente deve ter liberdade para estabelecer suas diretivas antecipadas de vontade bem como seu planejamento sucessório, algo que poucas pessoas pensam.
Wiliam Loro de Oliveira é Doutorando em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa, Mestre em Direito, professor da graduação e pós-graduação do Curso de direito da PUC-Minas Campus Poços de Caldas. É Advogado, sócio da Tranquilli e Loro Sociedade de advogados.
Homero Tranquilli é pós-graduado em Direito Público e Administrativo, especialista em Direito Empresarial, sócio da Tranquilli e Loro Sociedade de advogados.
Fontes: Diretivas Antecipadas de Vontade – O Direito à morte digna –Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka – Revista IBDFAM – Família e Sucessões, Jul/Ago 2018.